Raiva de Vencer

Desconfio que no fundo fui construído p’ra cair Ao descobrir que era capaz de sofrer e de me rir E encontrar algo de belo numa envolvente a ruir Para quê fugir do escuro se é a luz que me faz retrair Um objectivo a perseguir emerge quando a vida amarga Na certeza de conseguir mesmo se a dúvida não me larga No inseparável humor instável de espirito indomável Folgor ampliável, ataque borderline contornável Na permanente paranóia reticente mas saudável De punho cerrado luto por uma paz conquistável Na adaptação a uma situação complicada Num pedaço de vida marcada mas confortada Com a certeza que um dia estará bem cicatrizada A dor é muda porque o lamento não contra p’ra nada Não há estrada estruturada sem entrada e início Não há felicidade sem dificuldade e sacrificio E quem se convenceu que me vai ver entorpecer Está ainda muito longe de me conhecer E que não pense que eu vou calar e obedecer Porque trago comigo a raiva de vencer Conheço os ossos do ofício, estudei as regras do jogo A existência tem tendência a batizar-nos pelo fogo Ela é ingrata e não podemos dar parte fraca Mesmo se nos supreende, assalta, insulta e maltrata Retrata a realidade que bate mesmo no fundo Ela castiga sem dó e faz-me duvidar do mundo E eu levanto-me e sigo enquanto pergunto Se percebi bem a lição e não confundo o assunto Solução: entrego uma resposta apenas E viro costas como platão abandonou Atenas Acelero mas não exagero, opto pelo cepticismo Não venero o mero não e modero o meu optimismo Abro caminho no cinismo e supero Falta civismo a quem se convenceu Que a minha voz é vandalismo Quando expresso que o que quero é justiça e pragmatismo Cada letra que eu opero é como um acto de exorcismo E quem se convenceu que me vai ver entorpecer Está ainda muito longe de me conhecer E que não pense que eu vou calar e obedecer Porque trago comigo a raiva de vencer